domingo, 6 de dezembro de 2009

Despertadores e Torturas.


É madrugada e o despertador proclama sem perdão o bárbaro momento em que somos exportados dos sonhos para a realidade, já não há mais tempo para sonhos, pois o percurso do para onde ou do porque nos aguarda sem cerimônias, salas ou quartos.
Repentinamente mudanças, submissões, declínios, impotências, imunidades, descontentamentos, disputas, desejos, impossibilidades, expectativas, cobranças, perdas, fugas, amores, desamores, livros, macacos, carros, chocolate, sexo, dinheiro, adaptação, evolução, um determinado valor no final do mês, pipoca, casamento, família, filhos e morte nos cercam e nos seguem como sombras, nos motivam de forma sádica a prosseguir, a abandonar em nossos leitos nossos sonhos sem face e sem alicerce.
Em batalha diária tornamo-nos nossos próprios heróis e inimigos,juízes e platéias de nós mesmos, e se por um lado nos enfeitamos e nos exibimos com diversas cicatrizes e hematomas, por outro nos escondemos por trás de curativos e amuletos, por trás de disfarces ou fantasias propicias ao próprio auto-engano, trampolins para os novos e mesmos ciclos renovados pelas areias movediças dos sonhos e ressurgidos pelas fatalidades, necessidades e banalidades cotidianas, memoradas pontualmente pelo canto atordoante de diversos despertadores com a mesma finalidade e sentido: proporcionar o dessentido.

domingo, 4 de outubro de 2009

Recalque de Palavras


Entre Livros e loucos
O poema da loucura é um doce sussurro impresso
Uma sublime expressão de prazer
Delírios e deleites simbióticos
Na mais tênue caligrafia.

E a melodia obsessiva das palavras
Inunda os corações inconstantes
Naufraga as emoções desgovernadas
Sucumbe meio a lagrimas desamparadas
Recalcadas por seus próprios autores.

Entre os mortos e os feridos toda a origem patológica é um portal
Um labirinto, um sucinto e discreto manual de escárnios e glorias,
Amnésias e memórias do incontestável ser ou não ser cotidiano.

De repente faz-se a luz e a escuridão
Faz-se amor e solidão,
Faz do medo a necessidade.

De repente o único é dualidade
E o todo vira mono, poli, vira parte, micro, macro, claro, opaco.
Faz-se então o mosaico, o prosaico, o provérbio e a província.

Karina S. Borges

domingo, 28 de junho de 2009

Entre a dor e a dose.




Mais um blues, um conhaque, a noite acaba e, no entanto, nada chega ao fim.
Basta! A boemia me basta, as canções, os drinques, as ruas lotadas repletas de luzes vermelhas e verdes, bastam os batons vermelhos, as velhas canções e casacos, bastam os velhos amores esquecidos, as mentiras outrora usadas, as mascaras perdidas, os destinos ao leu.
Mais um blues, mais uma dose garçom, por favor, ficarei por aqui esperando a próxima noite, a próxima vitima, e a próxima dor, o desejo de ser possuída por esta amnésia avassaladora é cada vez mais constante e assustador.
Também quero uma vodca para anestesiar esta mente e este corpo que teima o velho dualismo psicofísico e persiste neste elo infindável. Outra dose pois quero esquecer esta loucura de esquecer, quero apagar todos os vestígios de amnésia, quero esquecer as historias guardadas, perdidas e ansiosas a serem contadas.
Basta! Bastam os olhares, as memórias, estas poltronas vermelhas aveludadas, estes livros lidos, esta meia luz e estes lábios que desejam sempre encontrar os meus, bastam os bandeides usados, os machucados incicatrizáveis, as ligações, emails e todo rastreamento de palavras e emoções.
Já não me lembro e ainda quero esquecer a idéia de coração como centro de toda vontade humana, das emoções e do intelecto, o coração é como dever ser, é um órgão muscular oco que bombeia o sangue e o espalha pelo corpo, que neste momento transporta a cento e cinqüenta quilômetros por hora todo o álcool e que torna ainda mais confuso este encéfalo habitado por mnêmicas ilusões, e alucinações do álcool e da vida dentro e fora do comum.
A ultima dose, o ultimo blues e agora basta, talvez não seja a ultima vez mas pelo menos por enquanto a noite me basta, basta a sensação de calor e rubor facial, esta euforia, este humor instável, esta ausência de espelhos e reflexos, estes lapsos de memória, este coma consciente e esta constante tentativa de apagar a dor que não se apaga, de afogar algo incorpóreo em um copo alcoólico num bar e numa canção qualquer.


Karina S. Borges.