domingo, 28 de junho de 2009

Entre a dor e a dose.




Mais um blues, um conhaque, a noite acaba e, no entanto, nada chega ao fim.
Basta! A boemia me basta, as canções, os drinques, as ruas lotadas repletas de luzes vermelhas e verdes, bastam os batons vermelhos, as velhas canções e casacos, bastam os velhos amores esquecidos, as mentiras outrora usadas, as mascaras perdidas, os destinos ao leu.
Mais um blues, mais uma dose garçom, por favor, ficarei por aqui esperando a próxima noite, a próxima vitima, e a próxima dor, o desejo de ser possuída por esta amnésia avassaladora é cada vez mais constante e assustador.
Também quero uma vodca para anestesiar esta mente e este corpo que teima o velho dualismo psicofísico e persiste neste elo infindável. Outra dose pois quero esquecer esta loucura de esquecer, quero apagar todos os vestígios de amnésia, quero esquecer as historias guardadas, perdidas e ansiosas a serem contadas.
Basta! Bastam os olhares, as memórias, estas poltronas vermelhas aveludadas, estes livros lidos, esta meia luz e estes lábios que desejam sempre encontrar os meus, bastam os bandeides usados, os machucados incicatrizáveis, as ligações, emails e todo rastreamento de palavras e emoções.
Já não me lembro e ainda quero esquecer a idéia de coração como centro de toda vontade humana, das emoções e do intelecto, o coração é como dever ser, é um órgão muscular oco que bombeia o sangue e o espalha pelo corpo, que neste momento transporta a cento e cinqüenta quilômetros por hora todo o álcool e que torna ainda mais confuso este encéfalo habitado por mnêmicas ilusões, e alucinações do álcool e da vida dentro e fora do comum.
A ultima dose, o ultimo blues e agora basta, talvez não seja a ultima vez mas pelo menos por enquanto a noite me basta, basta a sensação de calor e rubor facial, esta euforia, este humor instável, esta ausência de espelhos e reflexos, estes lapsos de memória, este coma consciente e esta constante tentativa de apagar a dor que não se apaga, de afogar algo incorpóreo em um copo alcoólico num bar e numa canção qualquer.


Karina S. Borges.